Humanismo e Psicanálise* - Roberto Curi Hallal | | Imprimir | |
Roberto Curi Hallal** Entendo este convite como uma permissão para sentir saudades. Cyro Martins, segundo sua auto imagem era “um homem simples de trato, e singelo de letras quando escrevo.” Ocupou-se de marcar a importância
Desafios
Desadaptações familiares e sua gênese bio-psico-social
Curioso que essa crise institucional da família se acentue justamente quando os homens começam a compreender melhor a natureza das sensações eróticas e aprendem a goza-las mais livremente, sempre premências irracionais e sem as inibições impostas pela civilização. E dessa forma fica confusa a imagem que fazemos do amor – a de dois seres humanos que se integram num só, fonte geradora do sonho de eternidade que inspirou ao poeta o achado do “amar de amor infinito enquanto dura”. Da relação médico-paciente e das faculdades de medicina esperava humanismo na prática profissional, consistindo essencialmente no respeito à personalidade do semelhante. Alargando a escuta e a compreensão entendendo psicossomaticamente. Entender que os sintomas contam historias, não são simples expressões corporais que devam ser repudiados, eliminados, amputado revendo o sentido da arte de curar. Cansados de ouvir em silencio que as emoções matam, repetidamente dizemos que o que mata é não poder ter emoções. Todo ser humano quer sentir-se útil, importante e desejado por alguém. Sente falta de admirar e ser admirado. Cyro cita a Freud escrevendo para Romain Rolland, 1926 “Dadas as nossas disposições instintivas e o nosso meio circundante, o amor ao próximo debe ser considerado tão indispensável à sobrevivência da humanidade quanto a tecnologia”. A humanidade enriquecida por Copérnico, Sobre a Revolução dos Orbes Celestes (1543), Principia Mathematica de Newton (1687), Princípios de Filosofia de Descartes (1644) e Galileu (Diálogo sobre os Dois Principais Sistemas de Mundo (1632). Promovem a concepção de um mundo inacabado, por fazer-se, por acontecer, passível de construção, No Renascimento, os homens percebem que não vivem num casulo. Em 1781 Kant na Crítica da Razão Pura mostra que o humano deverá construir a ordem porque ela não é a priori. Em 1789 na Declaração dos Direitos do Homem, o homem passa a ser o centro do mundo, Com Rousseau em 1755, o Discurso sobre a Origem da Desigualdade entre os Homens cria a ética humanista, destacando a faculdade de aperfeiçoar-se ao longo da vida. Desde o ponto de vista do humanismo nascente, virtude e ação desinteressada são inseparáveis. Freud cria em 1882 o estatuto do indivíduo com o começo da formulação de um corpo teórico da psicanálise. O ser humano livre para escolher, depende da consciência crítica e portanto de fazer-se social e político, sem o que, é dirigido e dominado para consumir aprisionado a um sistema organizado por outros. Sobre as guerras
Sabemos que com a bomba atômica (um macro projeto de maldade) e o telescópio (a extensão do olhar que busca) se redefinem o finito e o infinito. Ralph Linton disse: “O homem não é um anjo caído, mas um antropóide erguido.” Cyro teria aceito e apoiado o que recentemente Saramago afirmou na Universidade de Montevidéu quando disse que: entre o ser primitivo e o ser humano estamos nós. A psicanálise de Freud que tanto encantou e norteou a vida do Cyro permitiu neutralizar o divino como fator predominante, senão único e exclusivo, da causalidade existencial. Elimina simultaneamente a crença milenar na fatalidade do destino. Isto significa que, para a psicanalise cada homem é o artífice da própria sorte. Sobre o humanismo psicanalítico
Sobre a criação artística e a psicanálise
Angel Garma e Salvador Dali viveram em Paris na mesma república em 1935, Garma lhe fez saber a Teoria dos Sonhos, um tema que tanto fascinava a ambos. Até onde Dali aprendeu das regras do inconsciente? criou um movimento que se assemelha de forma impressionante com as imagens dos sonhos. Para Angel Garma, o psicanalista que introduziu a psicanálise na América do Sul, o sonho é uma tentativa de elaboração de situações traumáticas, enquanto para Salvador Dali foi provavelmente fonte e inspiração da descoberta do surrealismo. (Não posso deixar de sonhar e me aventuro a imaginar que eles trocavam idéias entre a teoria dos sonhos e a construção plástica do surrealismo. Que eram próximos sabemos que sim, ambos espanhóis), divido essa minha fantasia com vocês. Cyro levou a psicanálise aplicando-a à medicina, à literatura, à cultura e a divulgou como poucos. Tirou-a do encerro do consultório onde confinada ao exercício clínico limita-se enormemente. Como fonte de cultura ainda não foi explorada em sua riqueza conceitual. Como conceitos da psicanálise inovam e oferecem novas leituras às ciências: nasce o profeta do passado, aquele que colabora na construção e desconstrução multideterminação em oposição a causa e efeito re-significação além da construção evolutiva a posteriori diminuindo o valor da previsibilidade, na contrapartida alguma previsibilidade construída na e pela historia da pessoa democratização do diálogo contrapondo o verticalismo exaltação do encontro humano categoria social de indivíduo com uma proposta de aparelho psíquico ruptura com os rituais esterilizantes desculpabilização importância da família e das identificações com as figuras materna e paterna mito familiar organizado pela articulação das representações psíquicas entre si ampliando o conceito de linearidade inclusão da sexualidade como fator organizador do amor e do ódio a ligação com o mamífero faz do humano um ser vincular, apegado, autônomo, porém dependente, capaz de comer pedaços vivos do outro sem precisar matá-lo.eitos. Fala do inconsciente como uma estrutura com lógica própria, atemporal e sem contradições e do Sujeito como elo histórico entre os ascendentes e os descendentes, categoria que dá um novo lugar à história da vida privada. Funda um novo conceito de Indivíduo. Cyro, a Reitoria e a Faculdade de Medicina. Ali estivemos algumas vezes juntos, antes, eu era um jovem do interior, simples, filho de imigrantes libaneses que contemplava a tudo aquilo um pouco perplexo e muito distante de mim. Ir a Porto Alegre exigia passaporte de tão importante para alguém como eu que vivia em Pelotas. Quando ouvia meus amigos estudantes da URGS, jamais poderia imaginar que algum dia estaria fazendo conferências e mesas-redondas junto com aqueles a quem eu já admirava, lia e tinha como referência. Ali comigo estavam o admirado psicanalista e escritor Cyro Martins, o Diretor da Faculdade de Medicina Ronald Pagnocelli de Souza, os psicanalistas de crianças e adolescentes Luiz Carlos Osório, Geraldine Viçosa, Moacyr Scliar, e outros colegas de renome, e eu tendo a honra de partilhar o espaço da narrativa e da discussão. Cyro estimulava, apoiava e participava das nossas discussões, ora nas mesas, ora na platéia, la no fundo, presente e tímido na sua humildade estimulante. Este movimento é fantástico, até hoje existe por toda América latina, Portugal, Espanha e Caribe. Está nos trabalhos de Infância, Juventude e Adolescência de muitos países, e temos a honra de colaborar. Está presente em muito projetos sociais, em muitos países. Ensinando em muitas universidades da América e da Europa. Nós fizemos aquilo incentivados por lideres humanistas, ainda orgulhos representamos suas idéias e ideais. Naqueles anos Arnaldo Rascowsky que havia sido professor na formação psicanalítica que como Cyro, fiz em Buenos Aires com Angel Garma. De volta ao Brasil em fins de 1975, fui para o Rio de Janeiro. Nos fins dos anos 70 Arnaldo Rascowsky me estimula a fundar Filium no Brasil. Estivemos algumas vezes em Buenos Aires, convidados para almoçar em sua casa juntamente com Cyro. Éramos nós três e eu podia aproveitar as ricas discussões daqueles mestres. Ali nossas preocupações se encontravam na importância de seguir difundindo a psicanalise aplicada, a preocupação com o social e com a contribuição que ainda deveríamos dar. Lembro-me da minha enfase e decepção com a instituição psicanalítica com um modelo de limitar o ensino oficial da psicanálise à clínica psicanalítica deixando de lado a importância de oferecer para outras leituras a riqueza teórica que ainda fica ao alcance de poucos. No meu ultimo encontro com Cyro lembro-me de haver dito que a Obra de Sigmund Freud era pouco ensinada no Brasil, que havia que aprofundar o conhecimento da obra, muitos a aprendiam desde outros autores e tinham influência de outras escolas sem conhecer a obra em toda sua extensão e importância. Cyro na oportunidade discordou de mim e afirmou que ele se empenhava em ensinar Freud em Porto Alegre. Discutimos e concordamos que a riqueza de leituras articuladas à psicanalise dariam frutos a uma nova leitura que entendesse a afirmação de Freud que fazer relações humanas era uma forma de fazer cultura. E lhes afirmo, foram importantes e inesquecíveis estes encontros para minha formação como pessoa. Também tive o prazer de jantar duas vezes na casa de Angel Garma, desfrutando da companhia de Cyro e outros colegas como Willy Baranger, Fidias Césio, Arminda Aberastury, Bety Garma, David Liberman, quando da realização de Congressos Psicanalíticos em Buenos Aires. Cyro sabia da importância de levar-se a psicanálise para fora dos consultórios, foi criticado por isso mas não deixou de fazê-lo, convicto de sua postura. A psicanálise deve a ele muito por esta divulgação. Cyro expressava docilidade onde estivesse, esse respeito pelo outro o acompanhou como sombra: por exemplo ouçam seu protesto: “Mas contra essa realidade trituradora, nada podem fazer os meus protestos humanísticos”...esse é o médico, o homem e o psicanalista. Era um humanista em todas suas vertentes, até quando protestava. Foi uma honra para mim haver convivido com Cyro Martins. Isto aconteceu por sua abertura democrática e sua generosa capacidade de gostar de gente, respeitando a minha juventude e estimulando as práticas que ambicionavam atender a grupos, a comunidades, à educação, a Medicina, além de exercê-la no consultório psicanalítico. Ainda hoje, muitos colegas se opõem a isso. Esta acolhida marcou minha vida, a humildade dos grandes que nele se fez abundante, marcou a vida de muitos outros colegas e amigos. Aqueles que como nós, tivemos a oportunidade de estudar e conhecer a psicanálise, não podemos jamais deixá-la encerrada entre quatro paredes. Seus benefícios à humanidade eram evidentes, nossa obrigação de aplicá-la onde fossemos capazes. Cyro foi fiel à psicanálise. Por tudo isso que lhes contei, escolhi a Cyro como meu Patrono na condição de Membro-Fundador da Academia Brasileira de Médicos Escritores onde ocupo a cadeira nº 28. Agradeço a sua filha Maria Helena que me permitiu estar aqui com vocês para compartir desta homenagem que evoca tantas lembranças do Cyro como alguém muito querido por todos nós. FORAM FEITOS ALGUNS APARTES APÓS ESTA EXPLANAÇÃO, ONDE FOI CONFIRMADO PELOS SEUS FILHOS MARIA HELENA E CLAUDIO QUE NÃO ERA BEM VISTO NO MEIO PSICANALÍTICO O TRABALHO QUE CYRO EXERCIA FORA DO CONSULTÓRIO E QUE QUANDO ELE HAVIA LEVADO ARNALDO RASCOWSKY A PORTO ALEGRE PARA FALAR SOBRE TERAPIA DE GRUPO ISSO LHE CAUSOU MUITOS INCÔMODOS PELAS CRITICAS FEITAS POR PARTE DE COLEGAS. SÓ FIZ REAFIRMAR QUE ERA GRANDE O DANO CAUSADO À PSICANÁLISE POR PARTE DAQUELES QUE A EXERCEM COMO RELIGIÃO E NÃO COMO CIÊNCIA E QUE ME ORGULHAVA DE HAVER ESTADO EM UM MOVIMENTO QUE DEFENDE A PSICANÁLISE COMO UMA CIÊNCIA REVOLUCIONÁRIA. AS INSTITUIÇÕES TENDEM A REPRIMIR A DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA DA PSICANÁLISE CAUSANDO UM DANO A SEU EXERCÍCIO. -------------------------------* Texto originado em apresentação no Simpósio Cyro Martins 100 Anos - Literatura, Psicanálise e Artes - Sala dos Espelhos - Fundação Memorial da América Latina - São Paulo (SP) - 22 de agosto de 2008.
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