"SEM RUMO" 70 ANOS DEPOIS - Solange Medina Ketzer | | Imprimir | |
Solange Medina Ketzer *
A trajetória de um menino pobre, nascido na campanha rio-grandense, sem nome, sem identidade e sem rumo constitui o romance que inaugura a Trilogia do Gaúcho a Pé, de Cyro Martins. Publicado há 70 anos, não perde sua atualidade, por tratar de questões arquetípicas próprias da tragédia do homem do campo, que nasce e cresce sem esperanças de uma vida melhor. Assim, o protagonista da história expressa a luta diária de muitos anônimos que habitam o campo e que são excluídos de oportunidades sociais. Não é à toa que não é designado por um nome de batismo, mas por Chiru. Na estância de seu padrinho, não é tratado como os demais que ali habitam e que fazem parte da família, mas como um utensílio, como um objeto, sempre pronto para ser usado e imediatamente descartado. Sua fuga em busca de um novo rumo na cidade, por não agüentar mais os maus tratos do patrão, redunda em fracasso, uma vez que não tem qualquer condição para enfrentar as agruras próprias da vida urbana. A saga de Chiru, narrada há setenta anos por Cyro, prenunciava e denunciava o movimento campo-cidade experienciado por muitos que, vendo suas esperanças perdidas, saem muitas vezes sem rumo para os grandes centros em busca de alguma chance de sobrevivência. A maestria do autor ultrapassa o depoimento meramente factual sobre o problema, uma vez que elege um regime de focalização narrativa que atribui voz e vez para o sofrido menino do campo. E este constitui o diferencial da obra para o seu tempo, especialmente quando comparada a outras produzidas por autores rio-grandenses que também exploraram a vida do homem da campanha. ------------- * Solange Medina Ketzer é Profa. Dra. em Literatura, pesquisadora do CNPq, Pró-Reitora de Graduação da PUCRS |