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PARA DESVENDAR MISTÉRIOS DA COMUNICAÇÃO FRONTEIRIÇA | Imprimir |  E-mail

Os espaços de fronteiras há muito têm interessado estudiosos e pesquisadores porque estimulam os povos na busca pelo novo, pelo desconhecido, por despertarem a curiosidade, o ímpeto de ampliar territórios, conhecimentos e realizar intercâmbios.

As cidades interioranas de Uruguaiana e Paso de Los Libres - a primeira brasileira e a segunda argentina -, Santana do Livramento e Rivera - brasileira e uruguaia, respectivamente - possuem um elemento forte que as identifica: localizam-se nas linhas demarcatórias dos territórios brasileiro e argentino, brasileiro e uruguaio, estabelecendo limites em níveis urbanos.

O estudo que está sendo desenvolvido pretende investigar como se dão as práticas comunicacionais das comunidades de Uruguaiana - Paso de Los Libres e de Santana do Livramento-Rivera, através da presença do elemento fronteira nos processos midiáticos locais.

Parte-se do pressuposto que cada vez mais o cotidiano é permeado pelos meios de comunicação, mediadores presentes, de forma intensa, nos processos comunicacionais. A mídia exerce o poder de influir na formação de atitudes e de comportamentos, expressos nas opiniões do leitor/ouvinte/telespectador e, conseqüentemente, na postura que este irá assumir frente aos acontecimentos, contribuindo para o fortalecimento de determinadas condutas e apagando ou colocando outras de lado.

No contexto selecionado, regiões limítrofes do sul do Brasil - em especial do estado do Rio Grande do Sul - em seus pontos de contato com outros dois países, a Argentina - através de Corrientes (Departamento onde se situa a cidade de Paso de los Libres), e o Uruguai - através de Rivera ( Departamento onde se situa a cidade de Rivera) -, vários são os campos sociais (entre eles o midiático) e as práticas comunicacionais instituídas, cujas dinâmicas trazem reflexos nas relações ali instauradas.

A concepção do homem fronteiriço sobre a questão fronteira é distinta da que possui um habitante de pontos mais distantes. Quem vive o dia-a-dia ao lado do "outro", cruzando as terras "dele" como se fossem suas, estreitando laços de parentesco e amizade com "esse" seu irmão-hermano, pensa de maneira muito peculiar a questão fronteiriça.

O "outro" não é um desconhecido e sim aquele que faz parte de seu cotidiano, que participa das ações diárias; está presente em todos os momentos, dividindo o espaço social, auxiliando na solução de problemas, no enfrentamento de dificuldades, estimulando a compreensão e o respeito pela diferença através das aproximações. Tratar os indivíduos que moram do outro lado da rua - como os moradores de Livramento-Rivera -, ou do outro lado da ponte - como os moradores de Uruguaiana-Paso de Los Libre -, como alguém estranho, é algo que não ocorre com o homem fronteiriço.

Ações de interação, intercâmbios e de integração efetiva existem nos espaços de fronteira e se dão a favor ou contra as decisões tomadas nas esferas dos governos federais, longe da vida fronteiriça que visam entendimentos em nível internacional. É condição de sobrevivência estabelecer acertos locais, deixando de lado a visão de que ali, do outro lado, é um espaço estrangeiro.

Há que se levar em conta que nestes espaços existem conflitos latentes no que diz respeito à concepção de identidade nacional, visto que tal questão é formada e transformada no interior da representação. Cada um dos povos que habita um dos lados da linha divisória faz parte de uma nação distinta, por isso, ali existe a possibilidade de um espaço de tensão. Ou talvez, pelo contrário, que a rivalidade seja trabalhada pelos cidadãos fronteiriço de modo diferenciado.

Uma das possibilidades de desvendar o mistério pode ser através dos jornais, instrumento onde as relações sociais ficam documentadas. A mídia impressa local, principalmente a produzida "em" e "para" pequenas comunidades, transforma-se em palco, e, ao mesmo tempo, em agente dos acontecimentos. Em suas páginas ficam estampados os fatos que se sucedem no cotidiano. Seus textos, à medida que reproduzem o que se passa, reforçam ou alteram valores presentes no grupo.

Por esse motivo, o trabalho investigativo está sendo dirigido para a análise dos textos presentes na mídia impressa local, ou seja, os principais e mais antigos jornais de Uruguaiana - O Jornal de Uruguaiana - e de Santana do Livramento - A Platéia. Elementos como fonte, editor e público receptor serão considerados no intuito de entender a comunicação como um processo que tem seu ponto de partida, seu meio de transmissão e seu ponto de chegada. Entretanto, é importante ressaltar que este circuito não é fechado, as trocas são constantes, o processo é contínuo e existe a preocupação em contextualizar a análise, pois os elementos destacados para a interpretação estão incrustados em um ambiente complexo.

Acredita-se que os resultados alcançados pelo estudo poderão contribuir com iniciativas que vislumbrem quebra de fronteiras e estimulem proposições dirigidas para além dos acordos econômicos e das questões que envolvem apenas o mercado. A presença da fronteira e de todas as relações que provoca, se percebida e compreendida como peculiar, pode tornar-se referência no sentido de levar a uma concepção correta do que venha a ser um verdadeiro processo integracionista, apontando para o enriquecimento do homem, vendo-o como ponto principal e não apenas como mera peça de uma engrenagem. A proposta visa avaliar fatos e ações - passando pela cultura, pelos meios de comunicação e pela ideologia - que derrubam barreiras e constróem passagens, como as fronteiriças.

Karla Maria Müller
Profa. da FABICO/UFRGS e Doutora em
Comunicação pela UNISINOS/ RS