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Cyro Martins, cem anos* | Imprimir |  E-mail

Blau Souza**


Vida e morte se alternam sempre e a cada instante. No mesmo ano de 2008 são comemorados os centenários da morte de Machado de Assis e do nascimento de Cyro Martins. Ambos escreveram livros impregnados de realidade e convivendo com asperezas humanas até nas entrelinhas. Retrataram realidades fugindo a modelos importados, usaram uma maneira autóctone de fazer literatura. Fizeram isso com muita competência e com sobra de talento. Deixo de lado o Bruxo do Cosme Velho e relembro fatos e  conceitos em homenagem ao doutor Cyro Martins, o homem do gaúcho a pé.

Filho do seu Bilo, bolicheiro no Garupá, segundo distrito de Quaraí, Cyro cresceu e ganhou nome, sem nunca deixar de ser o guri do interior, fiel a si mesmo, num mundo que evoluiu do gadinho de osso para os ossos dum dia-a-dia trabalhoso e sem brinquedos. Formou-se em medicina, sem ter roupa adequada para comparecer à solenidade de formatura. VoItou à sua cidade e exerceu a medicina com afinco e dedicação, mas sempre arranjando tempo para escrever alguma coisa no rabo das horas. Venceu as lutas do cotidiano e realizou grandes proezas sem jamais abandonar uma simplicidade comovedora. Foi aprovado em concurso para psiquiatra do Hospital São Pedro, numa época pobre de recursos terapêuticos. Ganhou algum dinheiro e o utilizou para realizar sonhos maiores. Viveu no Rio de Janeiro e depois em Buenos Aires, na busca de conhecimentos em neurologia e na recém surgida psicanálise. Na volta, foi um dos pioneiros desta especialidade em Porto Alegre e um dos responsáveis pela formação de psicanalistas em nosso meio.

Na literatura, soube empregar muito bem suas vivências de guri de campanha e de médico do interior. Poucos o igualam no conhecimento da vida campeira e muito poucos se atreveram a tratar em profundidade o gaúcho empobrecido, forçado a migrar para as cidades, apartado do seu cavalo e do seu universo. Cyro Martins consegue em seus personagens uma atmosfera respeitosa e de carinho, apesar dos conflitos e da agressividade de um mundo que lhes fecha as porteiras. Sem examinar detalhes de sua obra, estranho que muitos centros de cultura gaúcha vejam com certas reservas a obra de Cyro Martins. Talvez não queiram se enxergar em páginas de desacerto, sem cavalo e longe dos pagos. Perdem uma oportunidade de crescer, desprezam massa crítica preciosa e uma visão sem preconceitos. Sem Rumo, Porteira Fechada e Estrada Nova, consagraram-no como parteiro do gaúcho a pé; prefiro, entretanto, romances da sua fase de autor maduro, cheio de estórias e de História. Creio que Gaúchos no Obelisco e O Professor são obras básicas para bem conhecer o homem e o Rio Grande  contemporâneos e de leitura extremamente agradável.

Não vou falar dos muitos livros de Cyro Martins, prefiro contar pequeno fato relacionado com O professor. O livro recém fora lançado e Cyro Martins não desperdiçava oportunidades para divulgá-Io.  Sabia o quanto lhe agradara bisbilhotar, através de um professor de campanha, aspectos relacionados ao poder, à Revolução de 23, à vida, obra e morte do poeta Alceu Wamosy. Na sua simplicidade, ele achava que a Exposição de Esteio deveria ser uma festa também para a literatura e lá compareceu para autografar o livro. Encontrei-o em plena charla com leitores, atento, procurando mais conhecer as opiniões deles do que externar as suas. Ao rabiscar a dedicatória  para mim, ele iniciou de forma pessoal e inesquecível: Ao Blau, que não é Nunes...

De todas as virtudes do homem Cyro Martins, nenhuma superou a generosidade: esbanjou-a. Nos seus livros, há riquezas a cada página, que só uma releitura permite identificar. Do Cyro médico, chefe de família, nem falo ...Enfim, todas as homenagens parecem pequenas para festejar o centenário do humanista que veio do Quaraí.


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* Texto publicado originalmente no Sul Rural ( Jornal da FARSUL), em novembro/2008

** Médico e escritor