A PSICANÁLISE SEM DIVÃ | | Imprimir | |
Wilson Amendoeira - Psiquiatra e Psicanalista O que faz uma pessoa procurar um psicanalista quando ela tem ao seu dispor os recursos da indústria da psicofarmacologia e as alternativas das terapias rápidas e mais baratas? Por um motivo vital: a psicanálise se coloca e se colocará sempre numa posição de resistência contra a banalização da condição humana. Nós, psicanalistas, acreditamos na cura do homem pela sua capacidade de reconstrução, na sua totalidade, corpo e mente, mesmo quando ele é esfacelado naquilo que lhe é mais caro: na sua humanidade. O psicanalista enfrenta hoje o desafio de apreender o homem de uma sociedade que faz do cérebro músculos, na tentativa desesperada e angustiante de acompanhar a velocidade das transformações do seu tempo e atender às exigências de cobranças de resultados, eficácia e desempenho que lhe impõe a cultura do consumo, do sexo e do prazer. O paciente que nos procura hoje reflete o mal-estar que se vivencia na sociedade contemporânea: o sentimento de onipotência, a desconfiança aguda, a perda crescente de afetividade, o distanciamento nas relações humanas, o isolamento emocional e social, somatório do vazio existencial de uma civilização que apóia sua sobrevivência no individualismo, na violência e na destrutividade gratuitas, na arrogância e no desprezo pelo outro. Amparado no conceito do vale-tudo, vale mais quem controla suas emoções, quem tem músculos mais definidos, quem tem menos humanidade. Essa configuração egóica e auto-suficiente incorpora o que há de mais primitivo no inconsciente humano. Mas a ilusão narcísica de ser um super-homem ou uma super-mulher pouco a pouco vai cedendo espaço para a desestruturação psíquica e emocional que está se vendo no dia-a-dia, no trabalho, nas relações amorosas, na família. A desconsideração pelo outro, a falta de compromisso e consciência social tornam-se sinônimos da desconstrução do homem. A cultura tecnoconsumista está impondo às pessoas situações que dilaceram sua humanidade: a competição desenfreada, a velocidade das mudanças sócio-culturais e a adoção de novos valores morais na sociedade têm submetido homens, mulheres, adolescentes e até as crianças a situações de pressões insuportáveis. Esse modo de vida desenfreado, quase sem limites, gera uma regressão ao uso das defesas mais primitivas, como a onipotência, a desconfiança aguda, a paralisia afetiva e a perda da capacidade para lidar com a realidade. 0 indivíduo se fecha num mundo particular que pode dar origem a quadros psicopatológicos muito graves. De Freud até aqui, a psicanálise acumulou conhecimentos sobre as emoções humanas, as relações afetivas, o desejo, a ambição, e sobre os aspectos patológicos de todas essas motivações que orientam os impulsos, o pensamento e as ações do ser humano. É essa experiência acumulada que a psicanálise precisa compartilhar com a sociedade para ajudar o homem na busca de um maior conhecimento sobre si mesmo, a descobrir suas capacidades, aceitar suas limitações e lidar com elas corajosamente. Esta deve ser a nossa responsabilidade social como investigadores das causas do sofrimento psíquico. 0 analista do novo milênio deve estar engajado com o seu tempo no sentido de estar comprometido com a melhor qualidade de vida da população. O psicanalista está consciente de que não pode mais ficar isolado no seu consultório, girando em torno de seu divã. Essa inserção da prática psicanalítica fora dos consultórios já vem sendo colocada em prática através de experiências já consolidadas, como a assistência aos programas materno-infantis, e outras inovadoras, como a participação nos projetos e políticas públicas de atendimento à infância, à terceira idade, nas escolas, em pesquisas, na literatura, na arte e na música. Esta é a proposta de uma psicanálise sem divã. Colocar-se numa posição de interface com todas as áreas que visem o desenvolvimento e o resgate do homem pelas suas potencialidades, criatividade, inteligência, sensibilidade e afetividade. Em suma, esta é a proposta da Associação Brasileira de Psicanálise: unir-se com outros campos do conhecimento para urna melhor compreensão da psique humana. Wilson Amendoeira |