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Este espaço está reservado para visitantes de nosso site e novos leitores da obra de Cyro Martins.

Estamos em uma turma de mestrado e doutorado em Letras. Alguns estranham que se ofereça uma disciplina de 'educação literária', seja lá o que for isso, em pós-graduação em Lingüística aplicada ao ensino de línguas estrangeiras. Porque, no imaginário acadêmico tradicional, língua e literatura são campos opostos, extremos, polarizados pelo amor ou ódio. Porque ler literatura, discutir práticas pedagógicas de literatura, tudo parece dissociado do objetivo primeiro do curso, que é a língua. E o que é a língua? E o que tem a tal educação literária, uma área pouco ainda explorada, a ver com isso?

Quero falar brevemente neste texto de duas questões fundamentais: a negação da transdisciplinaridade, e a descoberta da 'alteridade semelhante' na literatura. Futuramente espero desenvolver melhor estas idéias. Por enquanto, lanço um balão de ensaio sobre pensamentos que me acometem em sala de aula, no caminho para casa, andando à beira-mar.

Influenciada por Foucault, e discípula assumida e grata de Paulo Freire, tento sempre questionar os interesses e relações de poder subjacentes a problemas de divisões, que são, necessariamente, de exclusão, invisibilização, medo. Assim, quero refletir sobre a divisão das disciplinas no que venho chamando de 'feudos acadêmicos', que garantem uma suposta 'pose e posse do saber'. Se educar pela literatura implica um olhar sobre os elementos que compõem um triângulo transdisciplinar - a palavra, a arte e a sociedade - como isolar questões lingüísticas das questões literárias? Como pensar no significado artístico do uso da palavra em determinada sociedade sem examinar profundamente o triângulo através das teorias da comunicação, da literatura, da leitura, da língua? Será possível isolar de forma tão polarizada o uso da palavra, sem correr o risco de superficializar o conhecimento? Como diz Jonathan Culler, 'a literatura envolve tanto as propriedades da linguagem quanto um tipo especial de atenção à linguagem' (Teoria literária: uma introdução. São Paulo: Ed. Beca,1999, p. 59). Sendo a linguagem um fato social, assim como a arte escrita, penso que o crescente interesse pela educação literária pode ajudar a compreender e ultrapassar a divisão imposta e opositiva entre essas áreas.

O maior problema, entretanto, parece residir na proteção dos feudos, o que remete ao temor de expandir nossas fronteiras acadêmicas e de reconhecer a extensão de nossa ignorância epistemológica sobre as interfaces do saber. Na sala de aula, tememos expor aos alunos nossos limites, isolando-nos e protegendo-nos através de discursos excludentes e silêncios intimidadores. A falta que faz a todo educador a reflexão sobre a filosofia freireana, que nos liberta do peso de propriedade do conhecimento, abrindo-nos ao diálogo, à curiosidade profunda, à ética universal do ser humano. Silenciar para garantir algum poder à nossa palavra, ao nosso texto decorado. Com isso, não perdemos só nós, e nossos alunos, mas toda a sociedade, a cujo serviço deveríamos estar, como educadores.

Estamos em uma turma de mestrado e doutorado. Após a discussão da proposta de Culler, re-unindo língua e literatura, iniciamos um trabalho sobre textos literários contemporâneos. Especialmente, interessam-nos aqueles que, por questões implícitas, estão à margem do cânone. Por serem textos de autoras invisíveis, de homens invisíveis, que carregam o estigma de raça, classe social, identidade sexual, de uso da linguagem. A última categoria nos permite incluir tanto Carolina Maria de Jesus quanto Cyro Martins. Aquela, pelas transgressões involuntárias à gramática, merecendo a masmorra literária, embora aprovada como material de interesse etnográfico sobre a favela. Este, por fugir ao padrão vocabular e estrutural do eixo de poder, geograficamente situado entre o Rio de Janeiro e São Paulo, embora incursões esporádicas às curiosidades nordestinas mereçam uma réstia de luz. Mas é com surpresa que, ao ler em voz alta o início do conto 'Guri', da coletânea Você Deve Desistir, Osvaldo, vejo se abrir o sorriso no rosto de uma aluna, mestranda, até então relutante em se entregar à disciplina, resistente à educação literária, por ser 'da área de língua estrangeira'. Pergunto se todos entenderam o vocabulário, e Maria, orgulhosa, declara que sim, que a palavra de Martins soa como música, a música dos pampas gaúchos onde nasceu e foi criada, e que raramente encontra no meio acadêmico, e seu sorriso é de orgulho, prazer, alegria, no reencontro com as raízes que ficaram no Rio Grande do Sul, mas que carrega consigo, na alma adaptada à vida carioca.

Seus colegas, mestrandos e doutorandos, prestam atenção redobrada à leitura. Acontece a disseminação de um vírus benigno, a contaminação da expansão dos limites da leitura, da brasilidade, a curiosidade por descobrir outras formas de escrever, de ler, de sentir - de interagir com a arte da palavra. Todos querem ler Cyro. Examinamos o texto sob diferentes princípios teóricos, tentando estabelecer critérios analíticos que nos permitam ler sob a 'hermenêutica da suspeita', buscando elementos extratextuais de compreensão.

E a descoberta da semelhança na diferença, essa alteridade semelhante, será mais um trunfo no processo de educar pela literatura, como ensina Maria Helena Martins, através da leitura dos sentidos e das emoções para, inevitavelmente, provocar a leituramundo, que é uma proposta simples e complexa de reflexão crítica e exigente sobre limites, dilemas, imposições e modelos de leitura, do cânone, da educação. Para isso, é urgente apagar as fronteiras que isolam regiões geográficas, teóricas, acadêmicas e disciplinares, se queremos educar pela literatura. É esse o processo da educação literária. Complexo e exaustivo, mas fascinante, dialógico e coerente.
- Pstiu, caalo!
O pingo, bagual novo, se parara arpista com o rebuliço, instigando o ginete para uma escaramuça. Espantado, fogoso, cabeça erguida, trocando orelha, olhando longe, era um urco de grande o pangaré do Nilo.
- Cuidado, rapaz, que esse animal é velhaco.
- Não deixei as pernas em casa.
O guri, de ouvir, já sabia responder.
E não cansava de pular proezas, enganchado no cavalo de sarandi, com uma tira de pano, que era a cola, quebrada em cacho de três galhos bem em cima, lá onde canta o galo e os cuscos não alcançam.

Cyana Leahy-Dios
é Professora na Universidade Federal Fluminense,
Doutora em Educação Literária, pela Universidade de Londres,
autora de Educação Literária como Metáfora Social (Niterói:EdUFF)


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