A humana arte da palavra | | Imprimir | |
Cyana Leahy-Dios* LITERATURA: ARTE da PALAVRA em SOCIEDADE LER LITERATURA: ATO COMPLEXO, ECLÉTICO, TRANSDISCIPLINAR LEITURA: ACESSO AMPLO E EXTENSO ÀS PRODUÇÕES CULTURAIS LEITURA SOCIAL, POLÍTICA, ECONÔMICA e CULTURAL LER: ATO TRANSDISCIPLINAR E ECLÉTICO DE CONSUMO
EXISTE LEITURA NEUTRA?
LER já foi: ‘habilidade’, ‘exercício espiritual’, ‘atividade sagrada’, ‘meio de instrução da elite’, ‘acesso à verdade absoluta’...
gota, artrite, hemorróidas, asma, apoplexia, doença pulmonar, indigestão, obstipação intestinal, distúrbio nervoso, enxaqueca, epilepsia, hipocondria e melancolia’. LENDO HOJE... LER significa interpretar a palavra. LER amplia e aprofunda a inserção interativa de leitores na cultura lingüístico-literária. LER privilegia a construção do saber: do texto literário ao cinema, da receita culinária ao anúncio de rua, das notícias às fofocas sociais. LER propicia o contato com códigos alternativos, ampliando recursos lingüísticos e interpretativos. LER combina processos neurofisiológicos (leitura sensorial), afetivo-cognitivos (leitura emocional), argumentativos (leitura racional).
partilhados.
(Mª Helena MARTINS)
Essa Arte da Palavra humana, literária e psicanalítica flui dos cinco sentidos às vastas emoções e aos pensamentos, perfeitos e imperfeitos. Afinal, Cyro MARTINS já nos ensinou que ler é... ... ‘gostar das palavras que comunicam calor de vida, que nos estimulam a folhear o livro que amanhece todos os dias’. onde quis ‘Ir para o colégio’ apresentar ‘Um senhor espanhol e a outra pessoa’. Revelam ‘Mãos amigas do próximo’ ‘Inesperadamente, de manhã’, vendo um ‘Gaúcho a pé’ à espera do ‘Príncipe da Vila’. AVISO AOS NAVEGANTES: ler Cyro MARTINS ‘vicia’.
da leitura de Cyro MARTINS, há riscos de contágio na leitura do conto abaixo. Preparem-se. _______________________________________ ‘Guri’ - Pstiu, caalo! O pingo, bagual novo, se parara arpista com o rebuliço, instigando o ginete para uma escaramuça. Espantado, fogoso, cabeça erguida, trocando orelha, olhando longe, era um urco de grande o pangaré do Nilo. - Cuidado, rapaz, que esse animal é velhaco. - Não deixei as pernas em casa. O guri, de ouvir, já sabia responder. E não cansava de pular proezas, enganchado no cavalo de sarandi, com uma tira de pano, que era a cola, quebrada em cacho de três galhos bem em cima, lá onde canta o galo e os cuscos não alcançam. - Volta, volta, boi! Batendo as aspas pontudas no atropelo da disparada xucra, a novilhada estralava os cascos duros num estrondo, como chuva de pedra, no chapadão raso como uma tábua. Gritaria, Agachadas. Guascaços puxados. Sofrenaços. Esbarradas compridas assinalando no chão a marca da sua violência. Tiros de laço, largados com maestria uns, e outros guampeando as macegas no mais. Rodadas feias. Silvos de boleadeiras pelo ar. E cavalos correndo soltos com arreios. Um lote grande se cortou rumando o aramado. Na ponta, embora bem montado, o Ricardo, solito, não podia sujeitá-lo. E se aproximavam ligeiro da cerca, que estava bem de pé, estirada, e era toda de madeirama nova. A chapada, de resvaladia, era um sabão. E a manhã, claríssima, tonteava de tanta luz. Do oitão do rancho, montado no seu cavalinho de pau, o Nilo entusiasmado, contente, batendo os pezitos no chão, que o pingo fogoso não parava quieto, não tirava os olhos do grande cenário. Nunca vira aquilo. E estava gostando de ver. Tinha lástima de não ser homem ainda para andar lá também, e correr e se arriscar. Num vá, a cerca deitou. Assobiaram fios de arame arrebentados, e voaram lascas de pau, cravando longe no chão como estacas. Tropeiro, cavalo e boiada uniram-se num bolo só. E daí um pedação, apareceram com o Ricardo de arrasto num couro, sangrando. Quebrara-se no golpe. Mas não gemia, procurando disfarçar a dor. O guri recolheu, na esperteza campeira dos olhitos alarifes, toda a viva emoção daquele instante supremo na vida do gaúcho. Todos estavam calados. Ele também. Não indagava nada. Olhava no mais. O índio pediu um cigarro. Tragou uma pitada, e morreu. Esse dia o guri não brincou. Dias depois encontraram o Nilo, deitado debaixo do mesmo umbu, bem espichado, com um cigarro apertado entre os dentes, fingindo-se de morto. Faz de conta que numa tropeada braba levara uma virada mui feia. Perto, branqueando ao sol, a sua tropa. Ossada limpa! A cerca de um fio único de barbante, suspenso antes na ponta de dois pauzinhos finos, toda caída no chão. Ao lado do aramado, morto, o bagual pangaré. (in Você deve desistir, Osvaldo, L&PM) _________________________________________
lingüístico-gramaticais; revela a urgente e necessária inclusão do rico vocabulário gaúcho nos dicionários lexicais nacionais. Somos um coral polifônico, vivo, dissonante, em processo de permanente transformação. Merecemos respeito. Nossas leituras agradecem. Nosso idioma também. Ler a palavra é o primeiro passo para leituras mais profundas, rumo a novos mergulhos e vôos, dentro e fora de nós mesmos. Leitores integrais da Humana Arte da Palavra realizam essa utopia liberadora através da LITERATURA, a combinação indissolúvel de arte, palavra, sociedade. E isso, parodiando o anúncio, não tem preço. ‘- É um escritor admirável! porque senti uma súbita onda de calor. Cheguei a esboçar um gesto para apalpar o rosto. Mas os cotovelos estavam rígidos. Sentia-me anguloso, tremendamente desajeitado. Entretanto, algo me impelia a dizer ou fazer qualquer coisa. Até quando iria me limitar somente a ouvir?’
Vai para Cyro MARTINS nossa Humana Arte da Palavra.
|