X Jornada CELPCYRO

img banner

Informe CELPCYRO

Cadastre-se e receba nosso INFORME
Nome
E-mail*
Área de Atuação

Redes Sociais

  • Twitter
  • Windows Live
  • Facebook
  • MySpace
  • deli.cio.us
  • Digg
  • Yahoo! Bookmarks



Do "malentretenido" ao peão campeiro: a construção literária do gaúcho | Imprimir |  E-mail

A literatura gauchesca teve um papel singular no espaço platino, tanto no que se refere à construção de uma identidade como no papel político que foi atribuído aos seus portadores. O marco inicial foi dado pelo poeta oriental Bartolomé Hidalgo, cujos cielitos e sainetes identificavam o gaucho com os ideais americanos em oposição à dominação européia, e mais tarde aos anseios centralizadores de Buenos Aires.


Meio século depois, ainda quentes as turbulências entre unitarios e federales, José Hernández lançava El Gaucho Martín Fierro, onde denunciava a ferocidade daqueles que, em nome de uma pretensa "civilização", submetiam pela força os moradores da campanha. A perseguição ao gaúcho forçara-o a buscar a sobrevivência como fora-da-lei, envolvido com a delinqüência pura e simples ou refugiando-se entre os indígenas.


Mais tarde, consoantes com a transformação dos gaúchos em mão-de-obra das estâncias, desaparece da literatura platina o malentretenido - ou gaucho malo, vago, cuatrero - substituído pelo seu sucedâneo: a partir de então, gaucho significará peão campeiro, com seus hábitos, ditos e sabedorias, objeto de uma folclorização que se acompanha de um afastamento do papel político que tivera o poema de Hernández, ou mais remotamente a obra de Hidalgo. Mesmo um unitario como Ascasubi podia apropriar-se da figura do gaucho sem comprometer os interesses "civilizados" da oligarquia portenha. O corolário mais importante desta modificação seria o Don Segundo Sombra de Ricardo Güiraldes, já nos anos vinte de nosso século, onde a transformação de um menino em gaucho é acompanhada passo a passo.


No Rio Grande do Sul a literatura gauchesca não se caracterizou pela denúncia da perseguição ao gaúcho e o seu constrangimento ao trabalho nas estâncias de criação. Indiretamente são apresentados alguns aspectos da vida no campo previamente à organização produtiva mais ordenada, como referências aos tempos em que não existiam cercas e que predominavam os animais xucros. Raros são os gauchos malos - como é o caso do Negro Bonifácio - ou contraventores - como o magnífico Contrabandista. Predomina amplamente a afirmação da identidade regional, com ênfase no antagonismo cidade-campo, que terminaria convertendo a palavra "gaúcho" no gentílico para os nascidos no estado, independentemente de qualquer vinculação com o mundo rural. Só tardiamente - e isso devemos a Cyro Martins - aparecerá a exclusão social dos homens do campo, com os gaúchos "a pé" vagando pelos corredores rumo aos centros urbanos.


É importante salientar ainda que a literatura gauchesca - aquém e além da fronteira - foi produzida por intelectuais urbanos. Estes intelectuais, por melhor que conhecessem a vida no campo e os hábitos dos seus moradores, criaram obras ficcionais onde deram vida a personagens propositadamente estilizados, enfatizando sua identidade singular. A popularização da literatura gauchesca - ou seus sucedâneos, como centros de tradição, festivais de música e canto, desfiles em datas festivas etc. - exerceu influência naquela população que servira de inspiração, servindo, como um modelo que foi sendo incorporado pouco a pouco. Neste sentido é possível pensar que os gaúchos de hoje se pareçam muito mais com as imagens construídas a partir das cidades do que com seus ancestrais


Cesar Augusto Barcellos Guazzelli